Que coisa boa
nascer no interior!
Mécia Mara de Carvalho
Aos meus
conterrâneos.
Que coisa boa nascer no interior! Quando se nasce no
interior das Minas Gerais aí, então, pode-se dizer que é um
privilégio. Se tiver a sorte de nascer numa pequenina cidade
de nome Alvinópolis, cercada por lindas montanhas, a
renascer todos os dias de dentro do vale, está decretado:
nasceste no paraíso.
Fui privilegiada, e ainda por cima, nasci no paraíso. Quer
condição melhor do que esta? Mineira e Alvinopolense. Ops, “keepcalm”.
Cabe aqui uma ressalva: Alvinopolense na condição de cidadã.
O coração, azul e branco, continua e será para sempre -
Industrial. “Adeus, Marinha fica aí sozinha até eu
voltar...”
Voltar? Pensando bem, marinheiro, quando o navio atracar
novamente na sede do Industrial, vamos farrear com os
“Bambas do Gaspar”, porque fazemos parte de uma família
única, não é mesmo? E aí desfrutarmos do amálgama do
carnaval alvinopolense...”a nossa gente é do barulho,
queremos farrear, brincamos com alegria....”
Alegria, quanta alegria! Nascer no interior é nascer livre.
É poder voar sem ter asas. Andar sem ter rodas. Nadar sem
ter guelras. É ficar horas a fio sem pensar em nada,
absolutamente nada, a olhar para o infinito. É sonhar
acordado.
No interior tudo é permitido. Abraçar árvores, ouvir o som
da água a descer pelas matas em forma de cascata, andar de
carro de boi, correr atrás de pássaros e escutar seu canto,
caçar borboletas, colecionar joaninhas, apreciar o canto das
siriemas, subir em árvores, chupar laranja, jabuticaba e
manga colhidas fresquinhas no pé, colher amoras, tomar banho
de chuva, passear pelas enxurradas, nadar em córregos,
brincar de roubar bandeira, queimada, pique esconde, cai no
poço e convenhamos, agradecer muito a Deus por isso, não
faltando às sacratíssimas missas de Domingo.
Domingo é dia de reunir a família. Almoçar na casa dos pais.
De comer frango com macarronada. Abusar do queijo ralado a
derreter, vagarosamente, sobre o macarrão quente, e beber
uma taça de guaraná bem geladinho. E se a mãe não for
diabética, ainda saborear um delicioso arroz doce com
bastante canela(ah, e se quiser acrescentar raspas de limão,
não se faça de rogado, incremente). Que delícia! Bom, isso
vai depender muito da mãe, a minha é diabética, e, no
entanto, não falta doce na casa dela. Êta D. Maria
indisciplinada!
Como costuma vociferar um grande amigo alvinopolense: “ nóis
é que veve” (sic). Ele tem razão: no interior se veve (sic)
mesmo. Viver, no sentido mais amplo da palavra. O tempo
parece não passar. As horas deslizam, vagarosamente, sobre
os ponteiros do guardião do tempo. E quando você pensa que
vai anoitecer,as badaladas do relógio anunciam que não
passam das 16 horas, ou melhor, para ser mais interiorana,
quatro horas da tarde.
Quatro horas da tarde! Isso me lembra algo... Sabe o que se
faz no interior às 4 horas da tarde? (E aqui eu não estou
falando de qualquer interior, mas do interior que, como lava
de um vulcão inerte, vive adormecido em minhas lembranças -
minha querida e pequenina Alvinópolis). Senta-se à mesa para
saborear um delicioso café com merenda. Pura mineirice! E aí
você pode escolher entre as quitandas mais saborosas da
padaria da esquina ou daquelas artesanais feitas com enorme
capricho pelas quitandeiras da cidade. Broa com queijo –
fumegando - é a minha quitanda preferida. Me deu água na
boca, hummmm! (Perdão as minhas queridas professoras Santana
de Rômulo, Naná de Alina, Nita Têrrola e Maria Gonçalves que
me ensinaram milhões de vezes: “É, terminantemente, proibido
iniciar frase com pronome oblíquo”). Desculpem-me, mas não
resisti. Digamos que fiz uso de licença poética.
Por falar em poesia, a noite cai. A penumbra chega
encobrindo os belos raios de sol que findam no horizonte,
cujo único destino é morrer entre as verdejantes montanhas.
Morrem, para amanhã ressurgirem, novamente, viçosos e
radiantes. Essa é uma boa hora para darmos cabo àquela
canjiquinha com costelinha de porco e ao bambá de couve,
carinhosamente preparado pela mamãe. RANCHO! E todos os
soldados voltam à mesa.
- Acá,( expressão só compreendida pela mineirada) aí nessa
tal de Alvinópolis vocês só sabem comer, é?
Não, não é bem assim! Meu pai até costumava dizer que aqui
se come uma vez só: da hora que amanhece até a hora que
anoitece, mas é que você não sabe que por detrás de uma
farta mesa alvinopolense, rola sempre uma excelente prosa. E
é essa maravilhosa combinação de sabores e de conversa boa
que encanta a todos nós.
Só aqueles que vivenciaram e ainda vivenciam aquilo que eu
vivi, sabem do que eu estou falando. Sentimentos normais e
companheiros inseparáveis de quem decidiu viver longe do
ninho.
*
Fotos de Alvinópolis - Matriz, Baixada, campo de aviação ao
entardecer : Gjunior
Mécia Mara de Carvalho Gonçalves Torres é escritora alvinopolense.
Contato :
mecia@cpfl.com.br