Fechei os olhos e
puxei pela memória as imagens dos primeiros
carnavais alvinopolenses de que me lembrava. A
primeira imagem que me veio a cabeça foi a dos
mascarados. O bloco passando na porta
e eu escondido, doido pra olhar, mas morrendo de medo.
Outra lembrança forte
foi de um chegado da nossa família ( Martino). Eu
estava no quintal da casa do meu avô Dominguinhos na
rua de cima, quando apareceu um sujeito vestido de
astronauta. Fiquei doido. Como é que um astronauta
foi parar em Alvinópolis? Eu via muitos astronautas na tv preto e branco da minha casa. Passava Capitão Asa
na TV( um programa da época da ditadura, que
procurava passar para as pessoas uma imagem
simpática dos militares como pessoas paternais e
heróicas). Aquele
sujeito no quintal com roupa toda branca
metalizada, com aquele capacete e ainda recipientes
presos às costas, parecendo tubos
de oxigênio, foram o máximo pra mim.
Pensei comigo: esse negócio de carnaval é bacana.
Todos tem liberdade de se tornarem o que quiserem.
Depois fiquei sabendo que o tubo de oxigênio dele
tinha cachaça dentro e um canudinho que dava direto
dentro do capacete.
Naquele dia mágico,
meu avô ofereceu carona para levar esse astronauta
maluco e despejá-lo na praça da baixada. Ele e outro colega
vestido de mulher sentaram-se atrás do Jipe e
aterrissaram na baixada. Depois nunca mais os vi.
Devem ter retornado para o espaço. Assim como o
marinheiro da letra de Adeus Marinha.
Nos anos seguintes,
passei a ir nos bailes matinês. Objetivo: capturar o
máximo de confete e serpentina espalhados no salão. Eu adorava
aquilo. Ah...e estreava o kichute da hora. O calçado
era importante para a guerra das botinadas no salão.
Eram lindos os desfiles alegóricos que aconteciam em
Alvinópolis naquele tempo. Cada clube tinha seu tema
e ninguém queria ficar pra trás. Alvinopolense e
Industrial dominavam, mas o Pinga Rato também fazia
bonito. Vez por outra acontecia uma pororoca, um encontro das
águas, um encontro de dois
desfiles. O clima ficava tenso. As bandinhas tocavam
com mais potência seus hinos. ( e como são bonitos
os dois hinos. Bambas do Gaspar é uma das marchas
mais bonitas que conheço e Adeus Marinha tem uma
história cinematográfica). De vez em quando uns
pescoções, mas não passava disso.
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Bloco
BAG - Comandado por Zé Luiz
Foto do
acervo do Mauro Sérvulo |
Um pouco mais à
frente, apareceu o BAG. Era uma charanga, uma
fanfarra, uma bateria maravilhosa só com feras nas
baquetas.
Alguns percursionistas eram mais fixos e havia
vários colaboradores que iam se revezando nos
instrumentos. Dico e sua turma fizeram alguns surdos
treme-terra gigantescos que realmente faziam a
cidade tremer. No meio do bloco, muita gente
fantasiada. Os homens vestidos de mulher, tortos de
tão bêbados e muitas mulheres também vestidas de
homens. Lembrança de Bastião de Olga que parecia uma
charge viva. As cores do BAG eram Azul, Vermelho e
Preto. Tinha o Azul do Industrial, o Preto do
Alvinopolense e o Vermelho pra mediar. Mas
exatamente por causa da política futebolística,
houve desentendimentos no bloco. Em um dos
carnavais, alguns componentes cismaram de sair com
camisas dos clubes, o que gerou ciúme e acabou
desanimando a turma.
Depois vieram os
carnavais das escolas de samba. Primeiro com
Ulisses, depois Aurélio com a Escola de Samba Unidos do Morro. O
Alvinopolense também tinha Tuôla que botava pra
quebrar. Nessa época, os Clubes Alvinopolense e
Industrial tinham carnavais de clube super
concorridos. A gente ia nos dois bailes. O cordão
humano ficava rodando no salões e as furiosas
botavam pra quebrar. Não havia uma sensualidade
explícita, mas a paquerinha rolava solta. Depois
apareceu o bloco do Saco Sujo, que era o máximo. A
turma abusava um pouco do Loló, mas a diversão era
muito sadia. Lembro-me que uma vez abracei uma
menina. Ela retribuiu. Eu não consegui reconhecê-la
e nem ela me reconheceu. Ficamos brincando abraçados
e só fomos descobrir os rostos na praça da baixada.
Resultado: era uma ex-namorada. Algum
constrangimento? Nenhum.
No carnaval tem aquela
música...”vou beijar-te agora, não me leve a mal,
hoje é carnaval”. Depois vieram os carnavais
populares na praça e o carnaval perdeu um pouco da
espontaneidade. De uns anos pra cá, Alvinópolis
voltou a ter excelentes carnavais de rua. Nosso
grupo musical, o Verde Terra, teve a honra de ser
homenageado durante um desfile da Bio Extratus, que
também passou a promover um desfile com carros
alegóricos e gente no chão. Foi muito emocionante.
Criaram um carro de som temático, com nossos troféus
e tudo. Produzi uma versão mais acelerada de
Interior e o Verde Terra foi sobre o caminhão
cantando. Já posso até morrer (rs).
E nos últimos anos
surgiram blocos novos, como os Quebradeiros e os
Piratas, que arrastam enormes multidões e trocam as
antigas marchinhas e sambas pelos ritmos da moda,
como o funk, sertanejo e axé. O certo é que o
carnaval de Alvipa voltou a ganhar fama e a atrair
foliões. Tomara que esse ano haja preocupação com a
terceira idade, com bailes populares na praça do
Gaspar. E quem sabe não apareça um bloco que
congregue a turma que já passou dos enta? Quem sabe
os bambas do gaspar não voltem a pedir licença para
farrear? Quem sabe o Industrial ou
Alvinopolense não voltem a fazer belos carnavais?
Quem sabe o Pinga Rato não ressurja como uma fênix?
Quem sabe novos blocos, novas ideias, novos foliões?
Quem sabe o carnaval
não invada os corações da gente, nos dando permissão
para enlouquecer um pouco, errar a mão, botar os
dedos para cima e gritar o que nos dê na telha. Eu
já sei o que vou gritar : "Pruuutcháááá. Mas Uriaba
também vale...
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Marcos Martino é alvinopolense, poeta,
escritor, jornalista, músico.
Email :
marcos.martino@gmail.com