O Atleticano
na turnê de carnaval
Cristiano de Oliveira
Saudações, Alvinópolis dos
quebra-molas.
Tô renascendo das cinzas
depois da parada de fim de ano. Parece que já faz tanto
tempo que eu não escrevo, que na verdade nesse momento eu
nem lembro o que eu costumo falar. Mas você há de me dar um
desconto, porque nesse meio tempo eu entrei em tanta rôia,
mas foi tanta, que fica até difícil contar.
Começou no Mundial de Clubes,
né? Ao menos esse assunto está morto por aqui, nenhum
atleticano fala desse jogo mais. Virou o Livro de São
Cipriano: se você falar nele, já dá dor de cabeça. Ao menos
era o que Lia de São Francisco, a guerreira que trabalhou lá
em casa quando a gente era menino, costumava dizer.
Mas vá escutando: aí eu volto
pra Toronto numa quinta-feira. Vou trabalhar na sexta. Passo
o fim de semana em casa na tranquilidade. Vou ao
supermercado e quebro a banca: faço uma compra da pesada,
com salaminho, queijo (aqui é caro com força!), carne (outro
trem caro)... E ainda saio pra jantar, tomar cerveja e tudo
mais, na certeza de estar com as contas em dia. Aí vou
trabalhar na segunda-feira bem tranquilo. Às cinco da tarde,
o presidente da empresa me chama na sala dele e fala assim:
“amigão, sinto muito mas a empresa quebrou. Tá todo mundo na
rua”. Na hora só me veio uma coisa à cabeça: pô, custava ter
me demitido por e-mail enquanto eu estava no Brasil? Olha
que furada! Um frio que há uns 15 anos não se via aqui, eu
tomando -25 graus na orelha, o bar de Dona Graça parecendo
sexta-feira da Paixão, de tão vazio... Ó que encrenca, eu
podia estar no Brasil, esperando o Carnaval sossegado,
meditando no Santo Daime (“Dai-me uma Antarctica por
gentileza?”)...
Continuo desempregado,
esperando sair o resultado do meu requerimento de Seguro
Desemprego (aqui é assim: pode estar tudo nos conformes, mas
eles se reservam o direito de cismar que não vão te pagar. É
por isso que eu odeio babão de gringo, que sai por aí, sem
saber pitomba nenhuma, falando que no exterior tudo é muito
melhor), mas tô na batalha, já-já eu me resolvo. Mas não é
Jajá da Minascaixa não, é agorinha mesmo.
E o Carnaval chegou, e isso
aqui vai ficar mais fraco do que normalmente já é. O único
baile de Carnaval da cidade foi cancelado esse ano. A sorte
é que a nossa bateria de escola de samba foi contratada pra
fazer o baile de Carnaval de Ottawa, a capital do país.
Lugar com poucos brasileiros, a cidade nunca tivera baile de
Carnaval antes, pelo que entendi. Pois um pessoal de lá
conseguiu o Museu da Civilização pra sediar o primeiro
Carnaval da cidade, contratando a gente, uma banda de axé,
um grupo de capoeira e um grupo de dançarinas, todos daqui
de Toronto, pra animar o evento. Alugaram um ônibus pra
levar todo mundo, e reservaram um hotel pra turma toda.
Tratamento muito bom.
Link
facebook
com pequena parte do show.
Mas quando eu estou na
viagem, tem que ter rôia. Se não tiver, tem um negócio
errado. É porque o viajante não sou eu, é Ivete Sangalo. Se
bem que Ivete Sangalo, quando veio aqui, pegou rôia também,
tá? Tinha acabado de tocar no Madison Square Garden lotado
em Nova York e veio pra cá tocar na PRAÇA. Não foi em coreto
não, mas foi quase. Deu de tudo: o microfone apitou, caixa
de som desligou... E como resolveram cobrar uma nota preta
pra área de “pista”, em frente ao palco, ficou um buracão
vazio ali. Vê só, “pista” no meio de praça? Quando o show
acabou, ela foi direto pro aeroporto e cascou fora.
Pois é, mas voltando à rôia:
depois da passagem de som, o ônibus nos levou pro hotel.
Chegando lá, cada quarto comportava três pessoas. Só que o
pessoal da organização se esqueceu de que, por lei,
motorista de ônibus profissional tem que ter um quarto só
pra ele. Resultado: tá lá o motorista - um indiano - bem
tranquilo organizando as roupas dele, quando a tropa invade
o quarto e vai jogando mala em cima da cama, abrindo
cerveja... O cara levou uns 10 minutos pra se recuperar do
susto e avisar que precisava de um quarto separado. Fomos
pra recepção arrumar outro quarto pra ele, mas o hotel
estava lotado. Resultado: resolveram que o motorista ia
ficar com aquele quarto ali mesmo, e os outros dois
companheiros de quarto dele iam se encaixar nos quartos do
resto do pessoal. Ah, sei... Cê já sabe quem é o “resto do
pessoal” nessa história, né? Preciso nem falar. Mas escuta
que tem mais: entre os dois, um tocava guitarra e o outro
tocava trombone. Adivinha quem caiu no meu quarto?
 |
Trombonista
legal que só. |
A sorte é que o cara é gente
boa demais. Teve uma hora em que eu saí do banheiro e vi uma
cena que me fez refletir: rapaz, se a lei diz que o
motorista do ônibus precisa de repouso absoluto, imagina
quantos anos de cadeia a gente pegaria se ele saísse desse
banheiro aqui, nesse momento, e visse o que eu tô vendo:
esse cara de quase 2 metros, sem camisa, tocando trombone no
meio do quarto de hotel? Mas o cara fez a diferença no show.
Ele não só conhece do riscado (era trombonista do Nativos,
atual Natiruts), como ainda por cima é um cara legal que só.
A organização do evento disse
que o jantar seria servido no hotel. Fiquei esperando o
telefone tocar pra descer pra sala de jantar, numa fome do
cão. Quando o telefone tocou, os caras avisaram: “Pode
descer pra recepção”. Recepção? A sala de jantar não é na
recepção.
Quando cheguei à recepção, lá
estava um carrinho de carregar mala, com umas travessas de
alumínio cheias de arroz, salada e frango em cima. O
entregador largou lá e cascou no cerrado. Conferi a sala de
jantar do hotel, e aquilo estava lotado de hóspedes. Sem
chance de entrar um grupo de 35 pessoas lá, carregando uma
cozinha de bandejão no carrinho, e sentar pra jantar. Daí
alguém fala, “ah, vamos levar isso pra algum quarto e comer
lá mesmo”. Mas que quarto? Já dizia Vilibaldo Alves: “Adiviiiiiiiinhe?”
Tinha alface no meu carpete,
batata cozida rolando em cima do travesseiro branquinho, um
cara segurando o prato bem em cima da minha bota e eu vendo
a hora em que um pedaço de frango ia cair dentro dela; a
garrafinha de molho de pimenta entupida e o cara
espremendo-a com força, o bicão apontado bem pra minha
garrafa de cachaça especial (em toda viagem da banda, eu
providencio uma cachacinha trazida de BH)... O quarto virou
cantina de escola. E eu querendo tomar um banho e trocar de
roupa, pois a hora do show estava chegando, mas o povo
continuava lá, comendo frango e trocando ideia. Nem precisa
falar que dormir naquele quarto foi o mesmo que dormir
dentro da panela de Ciloca, né? Tudo tinha cheiro de frango.
Ao fim da noite, depois de um
show excelente, mais uma surpresa: duas canadenses,
encantadas com um amigo nosso (um percussionista cubano que
toca na banda de axé. Realmente, o cara faz uma presença
pesada), aparecem na porta do ônibus pedindo pra ir pro
hotel com a gente. No Canadá, o público feminino não costuma
nem falar “obrigado”, o que dirá pedir pra ir pro hotel da
banda. E banda brasileira, ainda por cima! Estamos tão
acostumados a ser ignorados que, sem saber da paixão delas
pelo cara da banda, imaginamos que elas só queriam uma
carona até o hotel. Levamos as duas na maior inocência.
Chegando ao hotel, as duas
pararam no saguão e ficaram lá. E a homaiada? Ninguém
entrou. Todos do lado de fora, num frio de -8 graus,
negociando: “Quem é solteiro? Quem vai chegar lá?”. O debate
comendo solto, com mais desculpa pra correr da raia do que
animação pra encarar, na verdade. “Eu sou casado”; “eu
namoro gente do grupo”; “eu tô com 4 homens no quarto”; “eu
acho que aí tem encrenca...” Na minha cabeça, veio Zeca
Pagodinho: “Laranja madura na beira da estrada, dando mole e
ninguém quer, é rabo de foguete, ou tem marimbondo no pé”.
Quando finalmente uma missão diplomática foi organizada pra
ir lá ver o que elas queriam (eu no meio, pra variar), as
duas passam pela gente, saindo do hotel e indo embora.
Ocorre que o percussionista, só pra sacanear, entrou no
hotel durante a reunião masculina e avisou às duas que ia
dormir e elas podiam ir pra casa. Do lado de fora, enquanto
todo mundo congelava e jurava que elas estavam só esperando
candidato, elas estavam era ligando pro táxi. Final de jogo,
zero a zero pra todo mundo.
Eu sei que eu ri tanto nessa
viagem que até esqueci que, um dia antes, eu tinha entrado
nos famigerados 40 anos de existência. Tava numa depressão
danada, ficando véio... Pois nada como esculhambação,
cachaça e samba pra afastar as neuroses da vida do
imigrante.
Apita Antônio Barcelos Filho,
errrrrrrgue os braços!!
Cristiano de Oliveira é mineiro de BH, residente em Toronto
no Canadá. Já visitou Alvinópolis inúmeras vezes.
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