Nada como o bom senso
UM DOS SEGREDOS DA GLOBALIZAÇÃO É A CAPACIDADE DE
QUEM globaliza saber diferenciar o que pode ser
exatamente igual em todos os países do mundo e o que
precisa ser diferente em cada país. Uma loja do
McDonald's, por exemplo, é igualzinha no Brasil e no
Japão, com exceção do idioma. E no bairro da Liberdade,
em São Paulo, nem isso, porque lá tem mais japonês do
que em Osaka. Mas as lojas da Pizza Hut não são iguais
no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a Pizza Hut não
vende bebidas alcoólicas. O Brasil foi o primeiro país
do mundo onde a Pizza Hut vendeu cerveja. E na França
ela vende vinho. Essa lição de que uma empresa
globalizada tem que se adaptar às necessidades dos
consumidores de cada país começou a ser aprendida no
Brasil em 1968. Na época, a Ford tinha comprado a Willys.
E a Willys tinha um projeto de um carro médio, chamado
Projeto M. A Ford gostou e resolveu investir no Projeto
M, mas decidiu globalizar o nome do carro, dando a ele
uma de suas marcas mundiais: Pinto.
Pinto é uma raça de cavalos, e a Ford sempre gostou de
dar nome de raça de cavalo para automóvel, como fez com
o Mustang e o Maverick. O problema é que brasileiro pode
até ser chegado em uma boa globalização, mas é muito
mais chegado em uma boa piada. E, na época, não demorou
muito para que começassem a circular histórias como a da
viúva que dizia para as amigas: “Ah, o Pinto do falecido
Júlio está muito bem conservado lá na garagem”. E a
Ford, finalmente e felizmente, tomou a decisão de lançar
o carro no Brasil com um nome brasileiro: Corcel. Que
foi um sucesso.
Mas muitas empresas multinacionais quebraram e quebram a
cara em nome da globalização, forçando a adoção de nomes
impronunciáveis ou que poderiam ter uma tradução cômica
ou trágica em outros países. Por isso, globalização pode
até rimar com imposição. Mas, na verdade, é sinônimo de
bom senso.
O tempo brasileiro
COM ESSA ONDA DE FUSÕES E GLOBALIZAÇÕES, MUITOS
ESTRANGEIROS têm vindo trabalhar em empresas
brasileiras. E a maioria se depara com uma grande
dificuldade, que é entender a maneira Como nós contamos
o tempo no Brasil. Por isso, certa vez, eu montei uma
tabelinha para que meu chefe, que era americano,
entendesse o que estávamos querendo dizer quando ele
perguntava quanto tempo algum trabalho iria demorar. Por
exemplo.., a resposta poderia ser depende. E “depende”,
no Brasil, é uma medida quântica, porque envolve várias
incógnitas. E todas desfavoráveis. Em algumas situações,
“depende” pode até significar “imediatamente”, mas esse
tipo de resultado, até hoje, só foi conseguido em testes
de laboratório. Outra resposta é “já-já”. Para quem
ouve, “jájá” pode parecer uma medida de tempo mais
rápida que “já”, mas é o contrário. “Já” quer dizer
“agora” e “já-já” quer dizer “assim que eu terminar de
ler o jornal, vou pensar a respeito”. E tem também o
“logo”. “Logo” quer dizer que uma providência pode levar
entre cinco minutos e milhares de anos. Por exemplo,
“logo chegaremos a outras galáxias”. Outra frase que
confunde é “na semana que vem”. Como se supõe que todas
as semanas futuras cedo ou tarde virão, qualquer semana
entre a próxima e a última semana do século XXI pode ser
tecnicamente classificada como “a semana que vem”. E tem
também “um minutinho”, que é um intervalo de tempo que
não tem nada a ver com 60 segundos e raramente leva
menos que dez minutos.
Finalmente havia o “veja bem” e o “com certeza”. A
diferença entre os dois, eu expliquei para meu chefe, é
que o “veja bem” era um “com certeza” mais detalhado.
Mas as duas expressões queriam dizer a mesma coisa, ou
seja, “depende”. Como se vê, nós não somos um povo muito
complicado. Desde, é claro, que nenhum estrangeiro fique
aí nos apressando.
A história da Campbell's no
Brasil
ALGUÉM AÍ ESTÁ PENSANDO EM FAZER UMA PESQUISA NA
EMPRESA, para saber o que os funcionários estão
pensando? Então, aqui vai a melhor história sobre
pesquisas que eu vivi na pele. Um dia, a Campbell's
americana resolveu produzir e vender sua famosa sopa no
Brasil. Nos Estados Unidos e em mais de 100 países do
mundo, a Campbell's vende uma barbaridade de latinhas de
sopa. Será que aqui no Brasil também venderia? Para
saber a resposta, foi feita uma pesquisa. A pergunta
era: “Prezada dona de casa, a senhora compraria a sopa
Campbell's?”. E a pesquisa revelou que, sim, a dona de
casa brasileira compraria sopa. Um monte de latas por
mês. E iria servir sopa para a família não apenas no
jantar, mas também no almoço e no café-da-manhã. E, além
disso, pagaria o preço que a Campbell's pedisse. E a
Campbell's, entusiasmada, saiu produzindo sua sopa aos
baldes. Depois de três meses, veio a decepção. De cada
100 latas que a Campbell's tinha produzido, só uma havia
sido vendida. A produção encalhou e, depois de um ano, a
Campbell's resolveu ir embora do Brasil. Mas, antes de
ir, fez outra pesquisa. E a pergunta era: “Por que a
senhora não comprou a Sopa Campbell's?”. E as donas de
casa responderam o que todos nós já sabemos. No Brasil,
só toma sopa quem está doente, hospitalizado e sem
dentadura. Acontece que nós, brasileiros, somos um povo
cordial. E sempre respondemos o que achamos que a pessoa
gostaria de ouvir e não o que estamos pensando. Por
isso, quem vai fazer uma pesquisa na empresa não deve
perguntar: “Qual sua opinião sobre nosso ambiente de
trabalho?”. Porque, aí, as respostas serão positivas. A
pergunta deve ser:
“Por que nosso ambiente de trabalho é tão ruim?”. E, aí
sim, os entrevistados dirão a verdade.
A Coca brasileira
UMA DAS GRANDES, SE NÃO A MAIOR, LIÇÃO DE MARKETING
DO SÉCULO XX pode ser resumida na criação de dois
remédios. Em 1886, nos Estados Unidos, um farmacêutico
chamado Pembleton criou um xarope misturando várias
ervas e outros ingredientes. Apenas 15 anos depois, no
Brasil, um médico chamado doutor Fontoura fez exatamente
a mesma coisa, na cidade de Bragança Paulista, no
interior de São Paulo. A diferença estava no ingrediente
que daria a quem tomasse o xarope aquela sensação de
euforia imediata. O doutor Pembleton usou folhas de
cocaína - que, naquela época, ainda não era considerada
a droga pesada que é hoje. E por isso deu a seu xarope o
nome de Coca-Cola. Já o doutor Fontoura resolveu usar
como ingrediente o álcool, e deu a seu xarope o nome de
Biotônico Fontoura. E aí é que entra o marketing. Os
primeiros executivos da Coca-Cola logo perceberam que
remédio é uma coisa que se toma em pequenas doses e
poucas vezes ao dia. Se o produto fosse, por exemplo, um
refrigerante, poderia ser tomado a qualquer hora, e em
baldes em vez de colheres. Já o doutor Fontoura insistiu
que seu xarope era um fortificante. Durante os 40 anos
seguintes, as duas indústrias prosperaram. Até que
começassem à surgir fortificantes melhores que o
Biotônico, um problema que a Coca-Cola não tinha.
Conclusão. Hoje a Coca-Cola, que deixou de ter cocaína
em sua fórmula já faz um século, vende 30 bilhões de
dólares por ano. E o Biotônico, exatamente por ter
mantido o álcool em sua fórmula, teve a venda proibida
pelo Ministério da Saúde, em 2001. O Biotônico poderia
ter sido a Coca-Cola brasileira. Seu nome - biotônico -
é ótimo. E sua cor, seu aspecto e seu sabor não são
muito diferentes dos da Coca-Cola. Marketing é isso.
Enxergar possibilidades. Criar novas aplicações.
Expandir, ao invés de limitar.